Quem foi Ruy Frazão Soares

Com raízes que se estendem há mais de quatro gerações de famílias maranhenses, Ruy Frazão Soares é o quinto dos sete filhos do casal Mário da Silva Soares (professor e advogado) e Alice Frazão Soares.

Ainda recém nascido, Ruy mudou-se com sua família para o Rio de Janeiro, onde permaneceu até os cinco anos, quando retornou ao Maranhão face à morte de seu pai. Lá, estudou na escola pública Colégio de Aplicação Gilberto Costa e no Liceu Maranhense.

Ainda estudante, organizou uma banda com a qual viajou por algumas cidades do interior do Maranhão, tendo também colaborado com jornais de São Luís publicando artigos em que abordava a problemática dos professores estaduais e outros assuntos sociais daquela atualidade.

Terminado o curso científico, Ruy confirmou seu desejo de formar-se em Engenharia, curso que não era oferecido pela Universidade do Maranhão. Sua mãe decidiu enfrentar as dificuldades de um orçamento já limitado para apoiar seu filho na busca de sua realização profissional.

Iniciando seu curso na Universidade Federal de Pernambuco, em 1961, Ruy logo começou a participar da JUC (Juventude Universitária Católica) e a "viver seu compromisso de cristão, desejoso de entender e concretizar com sua vida o plano de Deus", segundo suas próprias palavras. As reivindicações estudantis remetiam Ruy à configuração dos desvios da sociedade brasileira.

Logo depois de abril de 1964, foi determinada a mudança da Faculdade de Engenharia para o Engenho do Meio, local sem restaurante, biblioteca e mal servida por transportes. Ruy, eleito representante discente junto à congregação, foi um dos líderes da resistência à mudança.

Preso ao sair da Faculdade, Ruy foi mantido incomunicável e submetido ao horror da tortura, que ele, com tenacidade, soube desqualificar. O seu silêncio, o comando de sua fala, teceu o fracasso do intento dos seus torturadores, além de confirmar que até o impossível, dentro da perspectiva animal e instintiva, pode tornar-se espaço para o exercício e ampliação da liberdade humana. Libertado, e ainda com a cabeça raspada, Ruy viajou para os Estados Unidos, onde, como bolsista na Harward University, participou do seminário "Economia do Desenvolvimento", concluindo-o com a apresentação de um trabalho que mereceu uma menção honrosa.

Em Nova Iorque, na Assembléia das Nações Unidas, pronunciou-se sobre as torturas no Brasil, em 1965.

De volta, percebendo a impossibilidade de concluir seu curso de Engenharia (estando já no quinto ano), Ruy voltou ao Maranhão e assumiu o cargo de "exator federal", obtido em concurso público, quando terminava seu segundo grau. A sua nomeação para Viana o localizou no interior do Maranhão, com seus contrastes: de um lado, os resíduos de uma aristocracia rural, de outro, a opressão secular em que vivia a população rural maranhense.

Nessa época, Ruy estudava a obra de Teilhard de Chardin e se sentia esperançoso com o processo evolutivo da humanidade.

Em novembro de 1966, Ruy foi condenado a dois anos de reclusão pela Justiça Militar, acusado que fora no processo 64/65 de "agitação da classe universitária". Acreditando que só através da organização consciente da maioria da população brasileira seríamos capazes, como sociedade, de satisfazer nossas necessidades e realizar nossos sonhos, Ruy confirmou seu engajamento na Ação Popular.

Casou-se com Felícia Moraes em 1968 e, no Pindaré-Mirim (MA), participou na vida, das lutas e das experiências de organização dos trabalhadores rurais, aproveitando o trabalho iniciado pelo MEB, numa área em que o conflito pela posse da terra incluía o assassinato de lavradores e de seus líderes políticos.

Em 1972, nasceu seu filho Henrique Ruy de Moraes Soares, sacudindo o seu coração com uma das maiores alegrias de sua vida. Para manter a família, Ruy fez um curso de técnico de rádio e televisão e, com Felícia, negociava artigos de artesanato no Ceará. Moravam em Juazeiro, na Bahia. Politicamente, continuava a pertencer à Ação Popular, que, em parte, se fundiu com o Partido Comunista do Brasil (PC do B).

Na manhã do dia 27 de Maio de 1974, Ruy foi preso, em plena feira de Petrolina, por três policiais armados de revólveres, que o espancaram, ameaçaram de morte, o algemaram e, contra sua reação e dos companheiros da feira que vieram em sua defesa, foi jogado no porta-malas de uma camioneta preta. Suas últimas palavras, dirigidas a um feirante, foram: "Avisa Licinha!".

Logo em seguida, voltaram os policiais ao local da prisão para recolher as mercadorias e até a lona da barraca. A pasta de documentos e o dinheiro já haviam levado. Dona Lélia, uma das feirantes, aproximou-se indagando para onde o levaram e qual a razão daquela prisão, recebendo a seguinte resposta: "Não se meta com o caso. É uma boca quente".

Desde a notícia, sua família começou a desesperada busca. Sua mãe viajou para Recife e lá procurou os altos comandos militares, encontrando sempre a mesma negativa: ninguém sabia de seu filho. O encaminhamento jurídico do caso também esbarrava na mesma justificativa: "Ruy não se encontrava em nenhuma dependência policial-militar".

Felícia de Moraes Soares, sua esposa, escreveu à Folha de São Paulo, ao Jornal do Brasil e a diferentes órgãos da imprensa brasileira, embora consciente dos perigos que ameaçavam sua sobrevivênvia e a de seu filho. A Igreja Católica, através de sua hierarquia, foi contactada e, apesar da solidariedade demonstrada, nada pôde fazer. Contatos oficiosos com políticos e militares foram reiteradamente tentados. A Comissão Brasileira de Anistia também compartilhou das tentativas de esclarecimento do caso. Do exterior, era denunciado seu desaparecimento. Cartas às autoridades foram exaustivamente dirigidas.

O então Ministro da Justiça, Armando Falcão, que havia sido colega do pai de Ruy no Instituto Nacional do Sal, recebeu uma carta de Dona Alice. No dia 06 de Fevereiro de 1975, ouvimos atônitos o pronunciamento oficial do Governo, através daquele Ministro, dando o caso de Ruy por encerrado, por ter ele, com mais outros três desaparecidos, "destino ignorado".

Quando da prisão de Alanir Cardoso, em Setembro de 1974, em Pernambuco, os torturadores lhe apresentaram um foto de Ruy, de perfil, que, sem dúvida, fora tirada no cárcere, afirmando: "o Comprido já virou presunto".

Como familiares, de quem foi subtraída a presença de Ruy, violentando-lhe o direito à vida, necessitamos saber o que fizeram dele, como foram seus últimos momentos, onde está seu corpo. Como cidadãos envergonhados com ocorrências como o desaparecimento de opositores políticos, precisamos, urgentemente, restabelecer a verdade inteira que envolve esses fatos, para, através dela, resgatarmos a base de uma convivência social digna do qualificativo humano para a nossa Pátria Brasileira.

Foi testemunhando esta dignidade que Ruy Frazão Soares optou por permanecer humano, até o fim, a sobreviver fisicamente.